Mediação Tributária ainda seria utopia?

Com a regulamentação da Lei nº 13.028/22, a mediação tributária, pelo menos para a capital gaúcha, deixou de ser uma utopia.
De um lado, o Fisco. Do outro, o contribuinte. Uma cultura de litígio, marcada pela polarização, pela adoção de posições divergentes. Historicamente, um Estado autocrático e legiferante.
Em 2015, o novo Código de Processo Civil (CPC), com seu artigo 3º, estabeleceu que “[…] o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos deverá ser estimulada por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.

O dispositivo ficou conhecido por prever os chamados “meios alternativos de resolução de conflitos”. Prefiro outra nomenclatura também muito utilizada: “meios adequados de resolução de conflitos”. Afinal, considerando as altas taxas de congestionamento do Poder Judiciário, não deveríamos priorizar aquela que for mais adequada para dirimir dado litígio?
Atualmente, a Lei nº 13.140/15 dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Logo em seu artigo 1º, a definição: “Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.

Em que pese a mediação e a conciliação sejam meios autocompositivos de resolução de conflitos, aquela se distingue desta dada a ausência de um terceiro que ofereça uma resposta. A função do mediador é de apenas auxiliar na construção de um diálogo, de modo que os envolvidos possam encontrar, sozinhos, uma solução para o litígio. A autocomposição, por conseguinte, distingue-se da heterocomposição, na qual o conflito é inteiramente solucionado por terceira pessoa, seja através de um processo judicial ou arbitral.

E em matéria tributária, poderíamos nos valer da mediação? Ou o crédito tributário seria indisponível?
Há dogmas que precisam ser superados, e este certamente é um deles. O próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em sua Recomendação n° 120/21, disciplina sobre o tratamento adequado de conflitos de natureza tributária, recomendando aos (às) magistrados (as) que priorizem, sempre que possível, a solução consensual da controvérsia, estimulando a mediação, inclusive na seara extrajudicial.

O pioneirismo vem de Porto Alegre. Foi publicada a Lei nº 13.028/22, que institui a mediação tributária no município, visando à prevenção e à resolução consensual de conflitos entre o Fisco municipal e os contribuintes, tanto em nível individual quanto coletivo. Para tanto, a lei criou duas Câmaras de Mediação e Conciliação Tributária (CMCT), uma no âmbito da Secretaria Municipal da Fazenda (SMF) e outra no âmbito da Procuradoria-Geral do Município (PGM).
Conforme a legislação, a mediação pode ser realizada nas seguintes fases: 1) consulta fiscal; 2) pré-lançamento; 3) contencioso administrativotributário e inscrição em dívida ativa; 4) ou contencioso judicial tributário. Verifica-se, portanto, que a mediação não se limita ao processo judicial tributário, de modo a contemplar as fases mais iniciais, nas quais sequer houve o lançamento do crédito tributário.

No âmbito federal, também se verifica uma mudança de paradigma. Recentemente, houve a publicação da Lei nº 14.375/22, a qual promoveu diversas alterações na Lei nº 13.988/20, que estabelece os requisitos e as condições para a transação na cobrança de créditos da União, suas autarquias e fundações.
Dentre as mudanças mais significativas na legislação federal, tem-se agora a possibilidade de contribuintes cujos débitos não estejam inscritos em dívida ativa apresentarem proposta de transação, admitindo-se, assim, a negociação ainda no contencioso administrativo. Não obstante, ao comparar os dois institutos (mediação e transação), verifica-se que naquela há um maior espaço para discussão e consenso.

No caso da capital gaúcha, a mediação pode ter por objeto controvérsias sobre a qualificação de fatos para fins de aplicação da norma tributária, sobre a sua interpretação ou sobre o cumprimento de obrigações principais ou acessórias, priorizando-se temas complexos e de impacto coletivo.
Tal método de resolução de conflito é instaurado após a anuência da outra parte, formalizada por meio de termo de aceitação. As sessões são realizadas em ambiente presencial ou virtual, respeitados os parâmetros de proteção de dados pessoais, sigilo e segurança das informações. Havendo acordo, este será homologado pelo secretário da Fazenda ou pelo procurador-geral do município, conforme suas respectivas competências.
Com a recente regulamentação da Lei nº 13.028/22 pelo Decreto nº 21.527/22, a mediação em matéria tributária, pelo menos para a capital gaúcha, deixou de ser uma utopia. O caminho ainda é longo, mas o primeiro passo já foi dado.

Fonte:https://www.abat.adv.br/wp-content/uploads/2022/08/3.-MEDIA%C3%87%C3%83O-TRIBUT%C3%81RIA-AINDA-SERIA-UTOPIA.pdf