Dias Toffoli entende que decisão só poderia ter
efeito após publicação de acórdão
Por Joice Bacelo — De Brasília
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF)
em que se discute a possibilidade de os Estados
tributarem doações e heranças de bens
localizados no exterior tem apenas dois votos e só
esses já estão causando um grande alvoroço no
meio jurídico. O motivo está na “modulação de
efeitos” sugerida pelo relator, o ministro Dias
Toffoli. Ele votou contra a cobrança, mas propôs
que a decisão tenha efeitos somente para as
transferências que ocorrerem depois da
publicação do acórdão.
Toffoli já tem o apoio do ministro Edson Fachin.
Eles são os únicos que têm votos nesse processo.
O julgamento havia se iniciado na última sextafeira, por meio do Plenário Virtual, e foi suspenso
no fim de semana por um pedido de vista do
ministro Alexandre de Moraes.
Se o entendimento de Toffoli prevalecer, todos
aqueles contribuintes que têm ações ajuizadas
sobre o tema terão que pagar o imposto. Trata-se
de uma medida pouquíssimo utilizada no STF. Só
foi adotada três vezes desde que os ministros, em
2006, passaram a admitir a chamada modulação
de efeitos.
As decisões proferidas pela Corte, em regra, tem
efeito ex tunc, ou seja, produzem efeitos desde o
momento da edição da norma que foi declarada
inconstitucional. E, nesse caso, todos os
contribuintes podem, na Justiça, pedir o
reembolso pelos pagamentos indevidos no
passado.
Se houver modulação, no entanto, há duas
possibilidades: permitir que apenas aqueles que já
tinham ação em andamento sejam reembolsados
- a situação mais comum – ou vetar a devolução
dos valores para todo mundo até determinada
data, como sugere, agora, o ministro Dias Toffoli.
É o que os advogados chamam de “ganha, mas
não leva”.
“Traz muita preocupação para a advocacia
tributária. Acende diversos alertas. Seja porque
essa modulação acaba privilegiando leis
inconstitucionais, seja porque há uma série de
decisões ainda pendentes na Corte e que, se esse
entendimento prevalecer, podem seguir pelo
mesmo caminho”, diz Tiago Conde, sócio do
escritório Sacha Calmon.
A modulação de efeitos é um dos pontos mais
sensíveis, por exemplo, da chamada “tese do
século”. Os ministros decidiram por excluir o ICMS
do cálculo do PIS e da Cofins em março de 2017.
Em outubro daquele ano a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (PGFN) apresentou embargos
contra a decisão, que ainda não foram julgados
(RE 574.706).
No recurso, a PGFN pede que a decisão passe a
valer a partir de janeiro de 2018. O órgão alegou,
dentre outros pontos, questões orçamentárias.
Uma das razões seria a inclusão do passivo gerado
no orçamento da União, o que só ocorreria, por
meio de lei, no ano seguinte ao do julgamento.
Há apreensão do mercado em relação a esse
julgamento. A discussão tem quase duas décadas
e as empresas contam com os créditos
decorrentes da exclusão do ICMS. Há casos de
companhias que já tiveram ações encerradas e
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estão usando créditos do passado para quitar
tributos.
O processo que está, agora, em discussão no STF - e pode acabar respingando na “tese do século”
e em outras discussões tributárias – foi
apresentado pela Procuradoria-Geral do Estado
(PGE) de São Paulo. Os procuradores contestam
decisão do Tribunal de Justiça (TJ-SP) que afastou
a cobrança do ITCMD. A alíquota cobrada, no caso,
é de 4% sobre a herança que a advogada Vanessa
Andreatta recebeu do pai, residente da Itália (RE
851108).
Ela afirma que irá requerer, no STF, o
deslocamento do caso do Plenário Virtual para o
físico, que atualmente ocorre por meio de
videoconferência. A advogada acredita que o
debate será mais eficiente se houver uma troca de
ideias em tempo real entre os ministros.
No Plenário Virtual, não há um debate visível ao
público. Os julgamentos se iniciam sempre às
sextas-feiras e os ministros têm até uma semana
para liberar os seus votos no sistema.
Esse julgamento sobre ITCMD ocorre em
repercussão geral. A decisão, quando proferida,
terá de ser replicada a todos os processos no país.
Dos 27 Estados, 22 têm normas para tributar as
doações ou heranças de bens localizados no
exterior.
A discussão, aqui, é saber se o imposto tem que
ser instituído, obrigatoriamente, por lei
complementar federal ou se os Estados podem,
por meio de normas próprias, estabelecer a
cobrança.
Em São Paulo existem pelo menos 200 processos
aguardando a decisão do Supremo. O impacto,
para a arrecadação do Estado, está estimado em
R$ 5,4 bilhões, incluindo eventuais devoluções do
quer foi pago pelos contribuintes.
A maior parte do valor está atrelada a ações
ajuizadas por uma única família. São cerca de R$ 2
bilhões em impostos. Os herdeiros, toda vez que
recebem doações do patriarca, que reside no
exterior, apresentam mandados de segurança
preventivos contra os 4% de ITCMD. São 30
processos e R$ 46 bilhões em doações.
Para a advogada Vanessa Andreatta, é preciso
levar em conta, no entanto, que nem todos os
casos são bilionários e que existem outros
métodos para o Estado cobrar o ITCMD quando
considerar, por exemplo, que houve fraude ou um
planejamento tributário abusivo. “Não é justo
deixar de lado os milhares de cidadãos que
confiaram na clareza da norma constitucional”, diz.
Entre os anos de 2006 e 2019, o STF recebeu 25
pedidos de modulação de efeitos sobre questões
tributárias. Os ministros negaram 17 e aplicaram a
modulação em oito casos – sendo que em apenas
três desses oito eles não preservaram as ações em
andamento.
Esse levantamento foi feito pelos advogados
Leonel Pittzer e Ariel Möller para fins acadêmicos
e vem sendo atualizado ano a ano. “É preciso ter
cuidado porque a modulação pode estimular
condutas imorais do Fisco”, diz Pittzer. Möller
acrescenta que, no caso do ITCMD, a modulação
proposta pode estimular uma corrida dos Estados
para cobrar o imposto antes que se feche “a janela
de tempo”, que, no caso, seria a publicação do
acórdão.
Os advogados chamam a atenção, no entanto, que
os três casos em que houve modulação de efeitos
e os ministros não resguardaram as ações em
tramitação são bastante “peculiares”. Dois deles,
por exemplo, não envolviam a devolução de
tributos.
Um desses casos é a ADI 4171, julgada em 2015,
que tratou da incidência do ICMS sobre álcool
combustível misturado à gasolina. A discussão
envolvia a repartição da receita tributária entre
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Estados – não havia o contribuinte, na ponta,
buscando a devolução de valores.
O outro é a ADPF 190, de 2016, sobre a redução
da base de cálculo do ISS. Os ministros proibiram
os municípios de conceder benefício fiscal em que
o valor a ser recolhido pelo contribuinte fosse
menor do que a alíquota mínima fixada pela Lei
Complementar nº 116, de 2003.
O terceiro caso, único que envolvia ações de
contribuintes com pedidos de devolução dos
pagamentos indevidos, é a ADI 3106, de 2015. O
STF decidiu sobre uma cobrança compulsória
imposta por Minas Gerais aos seus servidores. A
arrecadação serviria para o financiamento de
atendimento à saúde – o que, na visão dos
ministros, só poderia ocorrer de forma voluntária.
Para eles, a decisão não poderia ter efeito
retroativo porque os serviços relativos à saúde
haviam sido prestados.
Acesso em:
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/1
0/27/voto-do-relator-contra-o-itcmd-naobeneficiaria-todos-os-contribuintes.ghtml